Estamos em Dezembro e o Natal está a chegar! Fuja da azáfama das compras e passe pelo Centro de Artes Tradicionais para descobrir os vários presépios existentes na exposição permanente "Marcas de Identidade".
Pastor e trabalhador rural nascido em Arraiolos, Ambrósio José Portalegre (c.1923 - c.1985), que nas horas vagas se dedicava a trabalhos de escultura em cortiça, passou, por volta dos anos cinquenta, a dedicar-se exclusivamente à produção de esculturas em cortiça.
Em 1952, faz a sua primeira apresentação pública de trabalhos, com a participação no concurso organizado pela Fundação Nacional para a Alegria do Trabalho - organismo criado pelo Estado Novo para estimular o desenvolvimento físico e cultural das classes trabalhadoras -, onde recebeu o quinto prémio com um extenso conjunto de figuras que ilustravam todos as fases da cultura do trigo e da manufactura da farinha. Dez anos passados, o reconhecimento público atinge o auge quando participa no concurso-exposição dos Jogos Florais do Trabalho, onde é galardoado com o primeiro prémio.
A extensa obra de Ambrósio Portalegre caracteriza-se pela utilização de um único material, a cortiça, submetida a um processo prévio de cozedura, minuciosamente trabalhada com o auxílio de facas e navalhas. As miniaturas recriam os mais variados aspectos do mundo rural, seja do trabalho ou das actividades de lazer e denotam uma certa nostalgia de ordem e harmonia, na perfeita distribuição espacial dos objectos, nas referências perfeitamente correctas da utilização de cada um dos utensílios, nos trajes completos e adequados do trabalhador rural, do pastor, da ceifeira, do moleiro. São a reprodução de um tempo abstracto e intemporal, idealizado a partir de um olhar etnográfico, e também a explicitação de um lugar definido para o trabalho do artista popular, a quem cumpre reproduzir e devolver à sociedade a imagem ideal de uma ruralidade pacífica, bucólica e trabalhadora - em consonância com os ideais veiculados pelo Secretariado de Propaganda Nacional.
O interesse suscitado pela cultura popular, nos ideais pós-revolucionários do 25 de Abril, promoveu uma releitura do trabalho de Ambrósio Portalegre, mas, desta vez, são entendidos como a visão particular de uma classe social, e o interesse centra-se preferencialmente na biografia do artesão, ponto de partida fundamental para a elaboração das suas esculturas, sublinhadas como representações do trabalho rural, realizadas em condições adversas, numa ordem social injusta. Vê-se na obra de Ambrósio Portalegre um trabalho de memória e resistência cultural, de reapropriação da capacidade de funcionar como agente de cultura.
Citado: Catálogo da exposição permanente "Marcas de Identidade".
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