Parece-lhe que efectivamente o “artesanato-indústria”, num futuro próximo – quanto tempo? – Virá a constituir um factor de relevante valor na posição económica do Alentejo?
Não tenho a mínima dúvida, o artesanato alentejano tem largas possibilidades de valorização e pode ter papel económico-social de interesse relevo na vida das gentes alentejanas.
Falar do tempo que possa necessitar-se para que tal incremento atinja os limites do desejável, é arriscar-me a uma imprudente previsão, pois tal brevidade ou demora é, antes de tudo, função das verbas que nos venham a ser concedidas para o efeito de se financiar o artesão e sobretudo para lhe adquirir toda a produção de qualidade.
Foram efectuadas algumas investigações históricas, certamente. Gostaríamos que se referisse a elas. Quais as vantagens que consequentemente resultaram das mesmas, para orientação dos trabalhos de produção?
Uma das funções previstas para o GARDE é exactamente o de se proceder ao estudo retrospectivo do labor artesanal. Todavia, a Junta entende que não se pode subordinar uma política de fomento aos resultados de tais estudos, pois embora, em teoria, tal seja o caminho ideal, tem de reconhecer-se que o tempo despendido em tais estudos poderia ser decisivamente fatal para o caso de uma campanha de valorização imediata.
Neste sentido, recolha de elementos históricos, deram-se alguns passos, a saber:
Organização de um ficheiro de registo circunstanciado da peça e do produtor – o Bilhete de Identidade – tendo sido emitidas já completas fichas para o efeito. Em curso a elaboração de um estudo sobre a cantaria artística nos concelhos de Estremoz, Borba e Vila Viçosa, para o que se encarregou escultor competente.
A Exposição do Artesanato Distrital efectuada no Celeiro Comum, as exposições dos barristas e a do Artesanato no Redondo, ambas subsidiadas pela Junta, pretenderam já por si fornecer elementos favoráveis a tal estudo, à guisa de arrolamento.
As investigações históricas a que alude foram de facto executadas e continua a Junta a subsidiá-las, mas pretendem sobretudo colher elementos arqueológicos da natureza não específica. É verdade que também obteremos assim precioso material que em alguma coisa aproveitará em favor do artesanato. Entende-se, pois, de muita importância o estudo que enunciou, mas como disse, a Junta não pode condicionar a sua campanha de fomento do artesanato aos resultados daqueles estudos, sempre morosos.
Quais as peças de artesanato que com fundamento se admite terão mais interesse, não só entre nós, como particularmente no estrangeiro?
É difícil responder concretamente a esta pergunta, dado que o gosto do público é muito variado e, por outro lado, a “apetência” dos distintos mercados estrangeiros difere bastante de país para país. (...) mas em tese pode dizer-se que toda peça tem real interesse desde que a matéria-prima utilizada seja regional e à sua manufactura tenha presidido um genuíno sentido artístico de sabor popular, já que abastardar ou universalizar a produção é roubar-lhe toda a regionalidade.
Todavia, peças há que poderemos considerar como já consagradas no mercado externo como as mantas de Reguengos que, não obstante uma concorrência que as pretende imitar (...) têm já alta cotação como o atesta a medalha de ouro obtida na Exposição Internacional de Bruxelas.
Mas a olaria, a cestaria, os trabalhos de buinho, os torneados de azinho, o mobiliário à alentejana, e muitos outros, têm largas possibilidades, desde que devidamente enquadrados numa planificação (técnico-comercial) conjunta.
Espera-se uma larga difusão, para breve, pelas casas comerciais da especialidade, de venda ao público, das peças do nosso artesanato, a exemplo do que se faz nomeadamente em Espanha e na Grécia?
(...) O “abastecimento” do comércio só poderá efectuar-se desde que o Gabinete esteja em condições financeiras de fazer a “stockagem”, comprando toda a produção qualificada. Portanto, esta larga difusão não demoraria tempo apreciável, estando, em última análise, dependente da entrada em funcionamento do GARDE e da sua dotação financeira.
Dado o interessante desenvolvimento turístico por que estamos passando, pensa a Junta fomentar a instalação de pequenos postos de venda de peças (tipo recordação) junto aos postos de venda de gasolina, a cargo destes, e me ordem a promover vendas naquelas localidades onde não existam estabelecimentos afins.
Não haverá, de alguma maneira, perigo de que os fabricos deixem de ser controlados e venham a cair numa “rotinice” de fabricos em série, em que se sobreponha o puro interesse material de ocasião, inferiorizando o valor dos fabricos, levada a efeito com menos escrúpulos e selecção, com prejuízos de garantia de autenticidade que resultará, no futuro, com menos aceitação e interesse dos mercados?
Com certeza. Por isso o nosso previsto Gabinete tem, entre outras funções, a de acompanhar o artesanato sob este prisma. Será uma assistência tecnológica e artística permanente a dispensar-lhe.
FERREIRA, Mira, Artesanato português – seu valor e interesse, uma entrevista concedida pelo Dr. Armando Perdigão, Mensário das Casas do Povo, Novembro de 1962, p.p. 8 – 11.